Um ano de Alemanha 🎉


Vira e mexe alguém me faz as perguntas clássicas sobre como é morar na Alemanha, como está sendo a experiência de trabalhar fora do Brasil e como conseguir um emprego fora. Vou tentar sintetizar nesse aqui as principais perguntas (e respostas). Nesse tweet, algumas pessoas enviaram suas dúvidas. Obrigada pela ajuda!

Vamos lá?


Antes de começar eu preciso falar algo bem importante: cada pessoa tem uma motivação e uma experiência diferente fora do Brasil. E tudo isso depende das experiências anteriores de cada um. Parece meio óbvio mas é importante mesmo entender que o olhar sobre as coisas define como será a experiência. Por isso é importante ouvir várias pessoas e vir com a mente aberta sabendo que, ainda assim, a sua experiência será diferente.

Dito isso, um pouco de contexto sobre mim. Eu sou do interior da Bahia, Feira de Santana, onde fiz curso técnico em Informática e trabalhei por alguns anos com teste de software. Durante esse tempo, fiz minha graduação numa cidade vizinha, Alagoinhas, em Análise de Sistemas. Fiz o mestrado em Ciência da Computação em Belo Horizonte, onde morei e trabalhei como desenvolvedora nos últimos quatro anos antes de me mudar para Alemanha. Como muitas pessoas, eu sempre tive vontade de ter uma experiência de trabalho fora do Brasil e os motivos eram vários: ter uma experiência cultural diferente, melhorar o inglês, aprender coisas novas.

Nesse texto vou falar sobre a minha experiência morando na Alemanha. Vou falar sobre entrevistas, sites e dicas para processos seletivos em um texto separado, já que esse aqui ficou grande demais.


Placa de Bem vindo a Berlim do aeroporto

First things first, a pergunta que todo mundo faz por aqui: porque você resolveu se mudar para a Alemanha?

Olha, se alguém me dissesse que no futuro eu estaria morando na Alemanha eu com certeza diria que essa pessoa fumou orégano demais. :) Conhecendo um pouco o passado da Alemanha e tendo em mente o estereótipo que todo mundo tem (o que não significa que não seja real…) seria um dos lugares que eu não moraria. Entretanto, o Mateus, meu esposo, veio a trabalho para cá uns anos atrás e ficou encantado com Berlim. O que mais chamou a atenção dele foi o senso de comunidade e o fato de Berlim ser um dos polos de startups da Europa. “Senso de comunidade” nesse caso se traduz em como a sociedade pensa de maneira coletiva. Por exemplo: se você não quer mais alguma coisa, você deixa na porta e alguém que precisa irá pegar; existem grupos de Facebook para doar, trocar ou vender; e por aí vai. A relação que as pessoas tem com o coletivo é diferente. Embora sejam frios no dia a dia, existe uma vontade em fazer o que é melhor para todos.

Eu acabei sendo contagiada pela empolgação do Mateus com Berlim e me juntei a eles nos esforços em mudar pra cá.

Como vocês vieram parar na Alemanha?

Nos nossos planos só migraríamos nos anos à frente mas fatores alheios a nossa vontade (risos) nos fizeram antecipar esse sonho (e não, não foi o Temer). Mas resumindo: eu acabei aceitando uma proposta para trabalhar remoto para uma empresa de NY e o Mateus começou a fazer processos seletivo com empresas de Berlim.

O processo entre começar as entrevistas e fechar uma proposta levou aproximadamente 3 meses e mais 3 meses para resolver as burocracias envolvidas. Se você é solteira(o) talvez leve menos tempo na parte das burocracias. No nosso caso, resolvemos casar (dei o golpe do passaporte nele, aparentemente) e casar toma tempo demais, credo. Casando eu pude vir com o visto de reunião familiar, o visto para esposos(as) e filhos. Eu não vou entrar em detalhes ou responder perguntas sobre vistos, certo? Infelizmente é muita informação e o processo nem sempre é estável, o que me põe no risco de informar errado.

Burocracias que enfrentamos antes de vir:

  • Cancelar o contrato do apartamento, pintar e entregar
  • Vender TUDO
  • Casar - o que envolveu uma logística interestadual para ter a minha certidão de nascimento por duas vezes porquê na primeira veio com o nome do meu pai errado (🙄)
  • O processo de visto em si (que deu bastante trabalho pro Mateus por conta do visto dele ser um visto de trabalho)

As burocracias enfrentadas no Brasil e no consulado da Alemanha eram só um aperitivo das burocracias daqui. A Alemanha, embora seja um país de primeiro mundo e bem progressista, está 20 anos atrás em transformação digital. Existe muita burocracia e as coisas funcionam de maneira diferente. Quer um exemplo? Para poder usar meu plano de saúde, recebi 3 cartas diferentes, cada uma com uma senha. Só com o conteúdo das três cartas combinados eu pude acessar o site do plano. No início então, cartas e mais cartas do governo, todas em alemão, claro. Eu acredito que no Brasil estamos numa situação melhor nesse aspecto. Por conta dessas e outras os nossos três primeiros meses foram horríveis.

O que é que eu estou fazendo aqui?

Bem, eu me fiz a mesma pergunta quando me mudei para Belo Horizonte 5 anos atrás. Mas lá pelo menos tinha Sol, né? :)

Inícios são complicados. Ainda mais depois de se estressar tanto com todas as burocracias no Brasil. Ao chegar aqui precisaríamos fazer o famoso anmeldung, o registro que diz que você mora na Alemanha. Sem ele você não é ninguém. Para fazer ele você precisa de uma conta bancária. Para ter uma conta bancária você precisa de um endereço. Para alugar um apartamento você precisa do… anmeldung. No nosso caso, conseguimos fazer uma conta no N26 pelo Brasil mesmo (esse banco é tipo um Nubank) e por isso conseguimos fazer o cadastro no governo. É obrigatório fazer esse cadastro no primeiro mês. Porém quando você entra no site para agendar só tem data três meses a frente. Fantástico, não é? Enfim, conseguimos.

Por endereço provisório tivemos um hotel onde ficamos por uma semana e um apartamento mobiliado que alugamos por 3 semanas. Tínhamos apenas as 3 semanas no apartamento mobiliado para encontrar um lugar pra morar em Berlim. Achar um lugar pra morar em Berlim é um inferno. Os corretores abrem os apartamentos para visitas e todos os interessados visitam ao mesmo tempo. Eu fui em visitas com quase 15 pessoas! Sem falar que nem todo mundo fala em inglês e nós não falávamos alemão, o que nos deixou em desvantagem. Quando contamos para as pessoas que achamos um apartamento em um mês todo mundo fica boquiaberto. Enfim, se você está considerando se mudar para Berlim não faça o que nós fizemos. Busque com antecedência!

Como mencionei antes, eu estava trabalhando remoto. Quando mudei pra cá, estava a 6 horas de diferença de New York. Era Outubro. Estava frio pra bosta. Eu não tinha as roupas adequadas e os dias eram extremamente cinzas. Escurecia cedo e amanhecia tarde. Dica importante: evite se mudar pra cá no Outono ou no Inverno. Venham no verão. Berlim é um amor no verão. No verão as árvores têm folhas, tem flores nos jardins, as pessoas ficam bem humoradas e ficam aos montes nos parques. No frio, ninguém fica do lado de fora. As pessoas estão mais ranzinzas que o normal. O cenário da cidade lembra Silent Hill. É melancólico e frio. Pior combinação.

Nesse clima de estresse, frio e melancolia, percebi que eu estava ficando deprimida. Então resolvi que a melhor coisa pra mim seria procurar um emprego em Berlim e ter uma rotina de ir ao trabalho, ver as pessoas, sair de casa. Sinceramente, foi a melhor decisão naquele momento. Um mês depois, fechei com a Thermondo, onde trabalho feliz desde Dezembro. 😍 Sobre os processos e entrevistas eu vou contar no próximo post.

Eu sinceramente achei que não iria durar um ano aqui. Foram muitas mudanças de uma vez só e eu achei Berlim feia. A diversidade que o Mateus falava eu não conseguia enxergar. Pra mim era que nem no Brasil só que com mais asiáticos por perto?? Foi meio frustrante. Eu tinha pintado algo diferente na minha cabeça.

Mas com o tempo e alguma paciência eu pude ver o outro lado. Ainda bem que o verão chegou.

O clima

Imagem de um lago em Berlim durante o verão

Falando em verão, acho que vale a pena comentar um pouco sobre o clima. Eu sou Nordestina e amo um Sol. Você fica suado e tal mas é uma delícia andar de havaianas e shortinho por aí. Morando na Alemanha, isso vai ser possível por uns 4 meses no ano. E olhe lá.

Durante o verão Berlim fica encantada. Eu cheguei no Outono então só peguei as árvores com folhas caindo ou amareladas. Durante o verão deu pra perceber que Berlim é mesmo a cidade mais arborizada da Europa e que todo mundo tinha razão quando dizia que Berlim é outra nessa estação. As pessoas ficam mais felizes, saem mais juntas, tomam banho de Sol nos parques (frequentemente peladas e ninguém liga), fazem questão de sentar nas mesas que ficam nas calçadas. Falando em Sol, o Sol nasce antes das 6 e se põe depois das 21 horas no verão. Berlim não tem mar mas tem bar muitos lagos e parques. Não é uma praia mas dá pra se divertir durante o verão também. Ahhh o verão…

O inverno também tem sua beleza, apesar de eu detestar. :) Durante o mês de Dezembro acontecem os mercados de Natal. Muita comida, artesanato e glue vine, uma espécie de quentão ou vinho fervido. hehe Mas faz frio. Muito frio. O quão frio? Maior parte do tempo, durante o inverno, pegamos temperaturas entre - 5 e 5 graus. Quando fazia 10 graus era show, Rogerinho. Ao contrário do que falam sobre Dublin e Londres, aqui não chove tanto, o que é muito bom. Não é tão frequente mas neva em Berlim de vez em quando. Eu vi nevar pela primeira vez aqui. É bem fofinho (apesar da bagunça que as ruas ficam quando o gelo derrete). No inverno o Sol pode nascer depois das 8 horas e se pôr por volta das 16 horas. Ou seja: escuro quando você entra e sai do trabalho. Aqui eu descobri que a depressão de inverno é real. Os dias são cinzas, as árvores ficam sem folhas, as pessoas estão mais rabugentas que nunca e faz frio pra bosta.

Rapadura é doce mas não é mole.

Berlim e o que eu mais gosto aqui

Eu não posso falar sobre a Alemanha de maneira geral então vou tentar resumir em Berlim.

Muita gente que diz que Berlim não é Alemanha e as razões para isso são diversas. Dizem que é por conta da sua história única: nenhuma outra cidade foi dividida ao meio e experimentou do comunismo e do capitalismo ao mesmo tempo. Também dizem que é por causa do número de estrangeiros. Gente do mundo todo está em Berlim, principalmente nos últimos anos com a vinda de refugiados. Em Berlim existe uma diversidade diferente. As pessoas não estão nem aí se você tem o cabelo colorido, quem você beija e até se você está pelado. Elas são elas mesmas.

A história da Alemanha está estampada em todos os cantos de Berlim. Os alemães fazem questão de não esconder seu passado. Existem inúmeros museus, pedaços do antigo muro de Berlim e muitas outras coisas, como peças comunistas da época onde a cidade ainda era dividida. Nas ruas é possível ver alguns quadradinhos dourados em frente a algumas casas. Esses quadradinhos são as pedras de tropeço, o que simboliza cada judeu que foi assassinado na época da Alemanha nazista. Cada pedra tem o nome da pessoa e onde ela foi morta. Essas pedras foram colocadas na frente das antigas casas dessas pessoas. Existem mais de 60 mil pedras dessa espalhadas por Berlim.

Essa foto aqui é de um prédio que está na minha rua.

Aprender com a história é muito bom mas que eu mais gosto aqui são as crianças e os cachorros. Sério.

Tem muitas crianças por aqui e elas são criadas de maneira interessante. As crianças aqui são crianças mesmo. Elas se vestem como criança. Nada de roupinha de adulto em criança; as roupinhas são coloridas e meio sem noção - super fofinhas. Ao mesmo tempo, a maioria delas são super comportadas. De maneira geral, as crianças alemãs não dão escândalos em público. São bastante obedientes ao passo que também experimentam uma responsabilidade e liberdade grande. É muito comum ver crianças andando de bicicleta a certa distância dos seus pais. Você não vê os pais gritando feito loucos. Eles só observam. Ao chegar em um cruzamento ou faixa de pedestres, elas param e esperam os pais para atravessar. Algumas crianças vão para a escola sozinhas de bicicleta - tipo, com 7 ou 8 anos. Eu fico chocada e ao mesmo tempo maravilhada toda vez que eu vejo algo assim. Aqui pais e mães cuidam das crianças de maneira igual. Não tem isso de ficar passando pano pro pai que está simplesmente fazendo a obrigação dele.

Os cachorros são demais, sério. Os donos precisam pagar impostos e adestra-los também. Existe uma multa para caso um cachorro ataque alguém ou algo assim. É bem comum chegar no mercado e ver um cachorrinho parado do lado de fora, sozinho, esperando seu dono. Eles comumente são vistos andando por aí sem coleira, seguindo seus donos de boas. Sem latir.

A Alemanha é um país muito rico e, apesar de frequentemente ter manifestações contra temas que pareciam ter sido vencidos como as pautas da extrema-direita, tem discussões e metas muito interessantes. Uma dos temas amplamente discutidos atualmente é o uso da energia. Existem várias iniciativas do governo para o uso de energia sustentável. Os impostos pagos aqui são altos mas existe um retorno em segurança, educação e assistência para os menos favorecidos. Pra mim a Alemanha é o exemplo vivo de que é possível ser um país que olha para as minorias e ao mesmo tempo consegue ter uma economia forte.

Além dos cachorros e das crianças, o que eu amo em Berlim é a diversidade de coisas pra fazer. Todo dia eu fico surpresa com a quantidade de coisas diferentes e os tipos de eventos. Um dia fui numa roda de choro (onde tinham alemães tocando) no subsolo de uma livraria. Outro dia em um stand-up comedy onde os comediantes eram uma libanesa e um francês.

A cidade não pára. Todo mês tem um rolê de bicicleta ativista onde centenas de pessoas estão pedalando e protestando contra morte de ciclistas. Durante o verão, todo domingo tem um karaokê aberto no meio de um parque, onde qualquer pessoa pode ir lá e mandar o seu Evidências numa boa. No mesmo parque, do lado do karokê, uma feira enorme de antiguidades e uma mini fazenda com pôneis e bodes - no meio da cidade. Sem falar nas baladas. Berliners amam música eletrônica. É possível ir numa festa segunda 11 horas da manhã. Loucura. Os bares em Berlim são únicos e ao mesmo tempo iguais: todos escuros e iluminados com velas, com cadeiras e mesas diferentes (parecendo que o dono saiu pegando uma de cada vizinho), garçons mal humorados, adesivos ativistas no banheiro.

O dia a dia

O Mateus sempre fala que mudar de país é que nem nascer de novo. Eu não poderia concordar mais. No início nós passávamos 2 ou 3 horas no mercado fácil. Igual dois idiotas tentando achar coisas básicas tipo saco de lixo. Usando o Google Tradutor pra não comprar o produto errado (o que não impediu que isso acontecesse de fato). Vou falar pra vocês: é frustrante. Meus amigos, o 7x1 é sem fim por aqui. Até hoje ainda rola um ou outro mas com bem menos frequência.

A limpeza é uma das coisas que costuma a chocar brasileiros que chegam na Alemanha. Em Berlim, pelo menos, os pisos dos apartamentos são daquele estilo madeira e não tem ralo nem no banheiro. A fama dos europeus de não serem tão limpinhos quanto os tupiniquins não é de hoje. No apartamento temporário que ficamos pudemos ver um pouco disso. O banheiro tinha tanta poeira acumulada que já tinha uma camada grossa nas paredes e canos. Na hora entregar o apartamento resolvemos fazer uma faxina daquelas. Fiquei responsável pelo banheiro e, como uma boa brasileira, resolvi meter água no banheiro inteiro e lavar tudo. O detalhe é que: não tinha ralo. Ou seja, me fodi. Ah, falando em banheiro, é bastante comum que os chuveiros fiquem dentro da banheira. #saudadesBox

É bem comum ter máquina de lavar pratos e roupas em todos os apartamentos e, ao mesmo tempo, não ter área de serviço. As roupas são estendidas para secar dentro de casa mesmo. Aqui se você compra um móvel você mesmo monta (amo). É um luxo enorme pagar diarista por ser bastante caro. Então cada um faz a sua própria limpeza. Quer ficar chocado mesmo? Para limpar os móveis e o chão tem uns paninhos tipo lenço umedecido. Você passa no chão e depois joga fora (não, não fica a mesma coisa). :)

Tem umas coisas que são bem pequenas também mas que fazem um pouco de diferença. Os travesseiros aqui são muito esquisitos quando comparados ao nosso. Ao eles são quadrados (todos os lados iguais) ou são retangulares e estreitos, ambos bem finos. Geralmente os brasileiros que moram aqui trazem travesseiros e abridores de lata do Brasil. hahaha

Além disso, ao comprar qualquer computador na Alemanha as chances de vir com o teclado alemão são gigantes. O teclado alemão é diferente do internacional - o do Brasil as letras estão no mesmo lugar do teclado internacional, por exemplo. Ou seja, tem que aprender a usar o teclado deles se não houver jeito.

E o inglês?

Ahhh o inglês.

Olha, vou ser bem sincera com vocês. O inglês quando eu cheguei aqui era ruim mesmo. Eu conseguia me comunicar e passar uma ideia mas ainda cometia muitos erros básicos. Pra entender um pouco: eu nunca fiz um curso de inglês regular e as escolas onde eu estudei tinham aulas de inglês como qualquer outra no Brasil - repetindo o verbo to be todo ano. Eu fiz uns cursos isolados aqui e ali mas nada com duração maior que um ano. E, pra ser honesta, eu não priorizava isso como eu deveria.

Entretanto, passar uma ideia foi o suficiente para fazer entrevistas durante um mês e receber duas propostas de emprego. Nada mal. O problema de não falar fluentemente uma língua é que comumente as pessoas confundem isso com burrice. Então acho que eu poderia ter ido ainda melhor nos processos. Eu não culpo as empresas que acharam minha comunicação ruim, na verdade. Parte do trabalho como desenvolvedora é discutir ideias, entender o usuário, fazer revisões de código. Tudo isso requer o mínimo para ter-se um bom desempenho.

Antes de vir pra Berlim eu estava trabalhando remoto para uma empresa em New York. No meu time a maioria dos desenvolvedores eram brasileiros também, então eu acabava me comunicando muito pouco e quando me comunicava era um desastre - eu ficava muito nervosa. Bem, estando em Berlim e com um dos objetivos de melhorar o inglês, agora com um emprego onde eu estava ao vivo com as pessoas, isso precisaria mudar. Fiz aulas particulares e fiz o feijão com o arroz: só se aprende a falar falando.

Hoje ainda acho que não está booom mas já está bem melhor do que antes. Talvez se eu estivesse morando em um país onde inglês é a língua oficial seria melhor. Embora Berlim seja bastante internacional muitos alemães não gostam de falar em inglês. Os mais velhos aprenderam russo (!) na escola. Além disso, vivendo em um país diferente acho que o mínimo é aprender o básico da língua. Isso também faz parte do aprendizado sobre a cultura e da integração social como todo. Falando nisso…

E o alemão?

Ahhh o alemão.

Bem, agora posso dizer que falo quatro línguas, todas elas muito mal. hahaha

As pessoas têm opiniões diferentes sobre aprender ou não alemão morando na Alemanha e isso pode ter influência de diferentes fatores. Um deles é a cidade. Os meus amigos que moram em Hamburgo já estavam mandando super bem no alemão com apenas um ano na Alemanha. Qual a diferença? Em Berlim, a partir do momento em que a pessoa percebe que você é estrangeiro (julgando pela sua aparência ou sotaque) ela vai falar com você em inglês. Nas outras cidades, as pessoas vão interagir com você em alemão mesmo até você pedir arrego e mandar um Englisch bitte? (em inglês, por favor?).

Durante esse um ano aqui eu fiz um curso básico de Alemão, o que me ensinou algumas palavras importantes e também alguns aspectos que eu não sabia da cultura. Por exemplo: aprendi que não se estende a mão para pessoas mais velhas ou acima de você em uma hierarquia. Você espera elas estenderem a mão pra você apertar. Caso contrário, você não faz nada. Parece uma besteira não é? Pois, quando aprendi isso entendi o climão que me meti um outro dia no trabalho. Depois do Brasil ter derrotado a Alemanha por 2x0 aqui em Berlim, encontrei o CEO da empresa e ele comentou sobre a partida. Pra brincar, eu estendi minha mão num sinal de “a partida foi boa, vida que segue” e ficou um climão danado. Ele hesitou mas apertou a minha mão. Ele não é coroa e nem nada mas certamente mais velho que eu e bem acima na hierarquia. E se tem uma coisa que alemão gosta é hierarquia…

Muitos estrangeiros que moram em Berlim acham que é o suficiente falar em inglês. Posso dizer que é possível se virar bem só com o inglês entretanto em muitas situações não vai rolar não ter o mínimo de alemão. Por exemplo: repartições públicas e médicos. Muitos médicos falam em inglês mas recepcionistas e enfermeiros(as) não. E aí é que o 7x1 começa. Uma vez precisei fazer sessões de fisioterapia. Cheguei na recepção pra marcar os horários e, caralho, passamos um bom tempo pra definir as datas - mesmo eu sabendo os dias da semana e os números em alemão. Treta.

No momento estou me dedicando ao inglês mesmo mas planejo voltar pro Deutsche no ano que vem.

Custo de Vida / Salário

Custos dependem sempre do estilo de vida da pessoa e eu sou desenvolvedora, o que me dá o privilégio de ganhar mais do que a média. Dito isso, um rascunho dos meus gastos básicos:

Item Gasto médio
Aluguel €1500
Internet €20
Academia €30
Celular (5GB de internet) €20
Energia elétrica €60
Feira do mês €200


Outras informações que talvez possam ser úteis:

Item Barato Médio Caro
Almoço < €5 Entre €5 e €10 > €10
Cerveja no mercado < €1 (muito ruim) Entre €1 e €2 > €2
Cerveja no restaurante < €3 Entre €3 e €5 > €5 (artesanais, por exemplo)
Cinema < €5 Entre €5 e €8 > €9
Burgão < €5 (podrão) Entre €5 e €7 > €7
Curso de Alemão €20 (online) €110 (mensal) €500 (dois meses)
Transporte (mensal) - €60 -
Aula particular de Inglês €15 (online) €30 > €40


Tem coisas mais baratas que as que eu listei nos custos básicos e eu só não tenho elas por ingenuidade. Aqui na Alemanha boa parte das coisas são feitas por contrato. Ou seja: você quer começar uma academia? Beleza. Assine um contrato de no mínimo um ano. E pra piorar a coisa, ainda tem uma época do ano (de acordo com o contrato) em que você pode cancelá-lo. Se não, só ano que vem. E os contratos são em alemão. Só sucesso. Aff.

Importante: os impostos na Alemanha são altíssimos, afinal qualidade exige recursos. Hoje pago de impostos 35% do meu salário. Isso mesmo, trinta e cinco por cento.

Além dos impostos em cima do salário tem outras taxas pagas a parte como o imposto de TV, rádio e internet (obrigatório se você tem internet em casa ou uma televisão), imposto de religião (se você tem qualquer religião você paga esse imposto) e imposto de cachorro (mas gatos não pagam impostos hahaha).

Se quiser ver o preço de produtos em geral (móveis, roupas, eletrônicos e até comida) é só acessar amazon.de.

Comida

Eu prefiro a comida do Brasil. Próxima pergunta?

Foto de uma carne de porco tradicionalmente alemã

Falando sério, eu prefiro a comida do Brasil mesmo. :) Aqui não tem self-service como conhecemos e a base da alimentação é carne de porco. Sucos naturais são muito raros de encontrar nos restaurantes e as frutas as vezes tem gosto de nada, especialmente as que são comuns em países tropicais como o Brasil. A vantagem de Berlim é ter muitos restaurantes de comidas de vários lugares, com destaque pra comida Asiática. Os restaurantes vietnamitas estão em todos os lugares. Eu não acho que ninguém deve levar minha opinião sobre comida em consideração, eu sou meio chata mesmo. O Mateus, que come até pedra com sal, ama e não tem o que reclamar.

Existem alguns food-truck que vendem comida brasileira. É possível achar tapioca, coxinha, pastel e até caldos. Alguns lugares também vendem algumas comidas do Brasil como goiabada, flocão e paçoquinha, tudo bem acima do preço do Brasil. Para os botequeiros de plantão, más notícias: geralmente os bares não tem porções. Na verdade, é bem comum não ter nem comida.

Fazendo amigos

Fazer amigos aqui é um tópico interessante. Pra ilustrar, gostaria de contar brevemente sobre uma amiga brasileira. Ela mora na Europa há alguns anos e nos mudamos pra Berlim quase na mesma semana. Nos conhecemos aqui - nossos esposos são colegas de trabalho. Alguns meses depois de montado o apartamento dela, ela resolveu fazer uma festa de inauguração - um open warming (open house é quando é aberto pra qualquer pessoa, conhecida ou não - aprendi isso tem pouco tempo hehe). Pra festa, ela convidou todos os vizinhos do prédio. Foi de porta em porta se apresentar e falar que iria fazer uma festinha, que seria legal se eles fossem. No fim, só 1 vizinho apareceu. Mas hoje ela tem uma ótima relação com eles e conhece praticamente todos.

Eu não sou tão aberta quanto ela, infelizmente, eu acho. Só conheço os meus vizinhos de uns tímidos Hallo (oi) nos corredores. Nenhum deles nunca veio tomar um vinho na minha casa, por exemplo. Eu não fiz festa de inauguração também. No trabalho, também não tenho vínculos de amizade (amizade mesmo) com ninguém. No meu aniversário eu recebi 1 abraço apenas - e foi por acaso - eu pensei que a pessoa ia me abraçar e tal e foi aquele climão. No início, acho que algumas pessoas do trabalho tentaram uma aproximação mas eu estava tão insegura com o meu inglês que acaba me atrapalhando nas palavras, no entendimento das coisas e sem dar muita abertura pra as pessoas. Infelizmente acontece.

Hoje isso melhorou bastante. Berlim é uma cidade muito internacional. Tenho amigos da Austrália, Israel, Itália, Irlanda, Armênia, Peru e do Brasil, claro. :) Entretanto, como reza a lenda, é difícil fazer amigos alemães. Acho que ninguém fica querendo amizade com ninguém por causa da nacionalidade, claro. Mas vale lembrar que eles tem um modo de pensar diferente. Vou dar um exemplo disso. Eu estava fazendo algumas sessões de fisioterapia e a fisioterapeuta é alemã. Em todas as sessões a gente ficava jogando conversa fora. Em uma dessas conversas, ela perguntou como foi o meu final de semana e eu comentei que meus colegas do curso de alemão foram almoçar na minha casa e que foi super legal. Quando eu comentei que os meus colegas de curso tinham ido almoçar na minha casa, ela ficou perplexa. Me perguntou o porquê eles foram almoçar lá - como se fosse a coisa mais absurda do mundo. hahaha Expliquei pra ela que o curso terminou e nós estávamos comemorando e que no Brasil é normal receber pessoas não tão próximas em casa.

Aqui as pessoas convidam para os eventos com bastante antecedência (tipo duas semanas), um contraponto na espontaneidade huebr.

Indo ao médico

Os alemães têm uma relação diferente com médicos e remédios. Caso você não se sinta bem você pode ficar em casa sem apresentar atestado médico por até três dias (e isso é aceito tranquilamente no trabalho). Indo ao médico, especialmente se for a primeira vez, ela/ele vai pedir para você ir pra casa descansar e tomar um chá. Os médicos no estilo clínico-geral tendem a “esperar o corpo curar” antes de passar algum medicamento.

Nesse um ano já fui em vários tipos diferentes de médico (será que eu sou hipocôndrica?). O nutricionista me chamou bastante atenção. Eu fui lá esperando fazer uma dieta e tal. Ele só fez uns exames (os mesmos do Brasil) e não me passou a fucking dieta, mesmo eu implorando. Acho que não é uma coisa que eles fazem por aqui.

Aqui em casa sempre brincamos dizendo que o ápice de ser imigrante em um país é passar por uma cirurgia, por um processo judicial e pela delegacia. Eu só tive (e espero continuar tendo apenas) experiência com a cirurgia. Foi bem tranquilo e algumas coisas chamaram a atenção. Por exemplo, a comida do hospital é uma comida normal. O hospital é gigante mas sem um nutricionista lá. Ou seja, tome salsicha e salame nas refeições. hahaha No hospital não tinha uma recepção como no Brasil - dessas que pedimos autorização pra entrar ou informações. Nessa brincadeira acabei parando na ala cirúrgica por engano, até uma enfermeira me enxotar de lá com seu olhar fuzilante… Aqui tive também que agendar uma consulta com a anestesista, em um processo separado - o que normalmente é organizado pelo médico no Brasil.

Se eu achei melhor ou pior? Nenhum dos dois. Eu tenho plano de saúde aqui e tinha no Brasil também. Então não notei grandes diferenças. Sobre a saúde pública eu não saberia informar mas sei que aqui ninguém se endivida ou fica sem atendimento como nos EUA.

Xenofobia

Infelizmente existe. Com os avanços da extrema-direita, responsável pela pauta anti-migratória no país, isso fica ainda mais evidente. Eu tenho um colega de trabalho egípicio que não vai em certas áreas de Berlim por medo de ataques. Um colega croata outro dia foi provocado na rua; chutaram a bicicleta dele e perguntaram pra ele se não haviam empregos na Croácia. Um casal de amigos israelenses foram assediados moralmente por serem judeus - perguntaram o que eles estavam fazendo na Alemanha, além de outras provocações.

Comigo diretamente, aconteceram coisas “menores”. A mais recente e explícita foi: eu estava andando na rua com o meu esposo e um amigo nosso, conversando em português, e um cara na rua começou a mexer com a gente. Começaram a imitar a gente conversando, em tom de provocação. Não demos muita moral e continuamos andando. Sinceramente? Eu morro de medo disso acontecer quando eu estiver sozinha e eu ter que ir na delegacia por algum motivo. Eu não falo alemão, não sou alemã. Quem vai ser por mim? Eu não sei.

As pessoas nunca sabem dizer de onde eu sou. Acho que me acham parecida com alguém do Oriente Médio ou da Índia. Se meu cabelo fosse longo, íam me classificar em algum desses dois países. Isso também não importa. Eu não sou branca de cabelo amarelo, logo sou classificada rapidamente como estrangeira.

Em Agosto e há alguns dias atrás houve uma manifestação de grupos com pautas anti-migração e frequentemente ligados a neonazistas. Nos grupos de Brasileiros em Berlim no Facebook, recebemos pedidos de cuidado. Evitar certas áreas ou ficar em casa por medo de ataques é realmente triste.

“É sobre o que você ganha e o que você perde também”

Esse textão está chegando ao fim. Ufa.

Meu afilhado nasceu dia 28 de Dezembro de 2017. Eu tinha apenas dois meses vivendo em Berlim. Estava frio, escuro, solitário. Eu só queria estar lá mas não pude. Tinha que escolher: compra uma cama e um sofá ou ir pro Brasil ver ele nascer e dormir no chão durante o inverno? No dia em que ele nasceu eu chorei bastante e me perguntei o porquê que eu estava fazendo isso.

Dias como esses vão e vem. Meu afilhadinho agora está engatinhando e ficando em pé. Provavelmente ele vai andar antes de eu chegar no Brasil pro Natal e essa é só uma das mil coisas que eu estou perdendo. Sem falar o medo terrificante que dá em perder alguém próximo, afinal já são 5 anos que eu estou vivendo longe de casa. Eu choro de saudades. Eu sinto vontades de comer coisas que só tem no Brasil do nada. Eu fico aqui pensando sobre voltar. E isso é só meu. Não significa que outros brasileiros se sentem assim também (acho que boa parte não, por motivos que todos já sabemos).

Mas isso é a vida. Se eu não viesse, iria ficar me perguntando como seria. Bem, essa dúvida eu já não tenho mais. Uma amiga minha sempre fala que vir morar fora do Brasil é se sentir ainda mais brasileiro. As coisas que estavam ali o tempo todo de repente fazem uma falta danada.

O Henrique Bastos falou essa frase do subtítulo É sobre o que você ganha e o que você perde também. Essa é a definição perfeita do que é morar fora do Brasil. Não dá pra preencher a saudade com ciclovias maravilhosas ou com inglês aperfeiçoado. Você pode migrar pra Marte mas o Brasil sempre vai ser o seu país. Brasileiro vai ser sempre a sua nacionalidade.

Outras fontes

Eu não sou a primeira e nem serei a última a escrever sobre a experiência de viver na Alemanha. Se você está considerando emigrar é importante escutar diferentes pontos de vista. Aqui algumas sugestões:

Em breve o meu textão sobre entrevistas e emprego na Alemanha. Espero que vocês tenham gostado desse aqui.

Tschüss!


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